CURSO DE GENÉTICA DE MICRORGANISMOS- 2017 - Prof. Ana Coelho
Mecanismos de Secreção de Proteinas
As bactérias Gram-positivas tem só um compartimento sendo limitadas por
uma membrana. Já as Gram- negativas tem citoplasma e periplasma, este localizado
entre as duas membranas, interna e externa.
Temos aqui então a questão da
exportação de proteinas através de uma membrana, ou a secreção, que envolve a
passagem de proteinas para o meio extracelular.
Algumas proteinas exportadas
das bactérias Gram-negativas permanecem no periplasma, mas outras vão atravessar
as duas membrans, sendo secretadas para fora das células.
A E. coli em
particular não faz bem a secreção para fora da célula, e muitas proteinas que
são exportadas em outras espécies gram-negativas, quando tem o gene colocado em
E. coli, são transportadas para o espaço periplasmático, mas não alem
disso.
A área de secreção de proteinas vem sendo estudada intensamente, com
novos mecanismos descritos e estudados rapidamente.
Aqui são apresentados os
mecanismos de Tipo I, II, III e IV.
Mecanismo de Tipo I:
Este mecanismo utiliza proteinas denominadas transportadores ABC.
Este tipo de proteina transportadora esta ligada na membrana interna de gram negativas ou na unica membrana de gram positivas ou celulas eucarioticas. Transportadores ABC existem tanto para transportar diferentes solutos para dentro da celula, como para transportar outros produtos para fora da celula. No entanto geralmente cada tipo particular de proteina ABC faz o transporte apenas numa direcao, e para um unico tipo de composto. Por exemplo existe um transportador especifico para maltose para dentro da celula.
No caso do transporte para fora da celula que e o foco do interesse aqui, temos ainda uma outra proteina, de membrana externa, que em vários casos é a proteina TolC.
As proteinas transportadas cruzam ambas as membranas numa
única etapa sem um intermediário periplasmático.
Proteinas ABC tem cassete de
ligação a ATP (ATP binding cassete), são ATPases, e constituem uma família de
proteinas. Algumas espécies tem muitas proteinas ABC, por exemplo 70 diferentes
proteinas.
Estas ATPases tem varios dominios hidrofóbicos que ficam na
membrana (esta região, também denominada de MD, membrane domain, em algumas
proteinas é separada, sendo uma outra proteina) e um domínio citoplasmático, que
se liga ao ATP, esta parte é mais conservada que a parte hidrofóbica. Esta parte
contem dois domínios de ligaçao a ATP denominados de Walker A e B.
A ênfase aqui é nas que fazem parte dos sistemas tipo I de
secreção de proteinas, mas proteinas ABC podem exportar polisacarídeos,
peptídeos tais como colicinas e drogas.
Existem proteinas ABC em eucariotos,
e também envolvidas secrecao nas Gram-positivas.
As proteinas ABC geralmente
são muito específicas para um substrato e uma direção de transporte.
No caso das proteinas exportadas temos exemplos de toxinas,
metaloproteases e lipases.
O caso mais conhecido de transporte de proteina
utilizando o mecanismo de tipo I é o da secreção da alfa-hemolisina de E.coli
uropatogênica.
Neste caso a proteina de membrana externa envolvida é a
TolC, cuja estrutura foi recentemente descrita ao nível de 2,1A. Ela é composta
por 12 fitas beta, formando um barril, dentro da membrana externa, e mais um
canal longo, composto de várias alfa hélices, que entram uma grande distância no
periplasma.
A proteina TolC forma um canal contínuo com a proteina
periplasmática e a proteina ABC, formando um caminho direto para a exportação da
hemolisina.
Em termos de biotecnologia, este sistema de tipo I está sendo utilizado
para exportar proteinas de interesse para o meio extracelular, proteinas que se
deseja purificar, separando das células inteiras.
Para isto estão sendo
utilizadas fusões de proteinas com a parte terminal da hemolisina de E. coli
.
O "sinal"para secreção neste caso se encontra na parte carboxi
terminal. Uma parte comum que as proteinas que são normalmente secretadas tem é
uma regiao rica em glicina, GGXGXD, repetida 4 a 36 vezes.
Este é o único
sistema de secreção que vem sendo usado em E. coli para passar proteinas
para o meio externo.
Mecanismo de Tipo II.
Inicialmente vamos descrever a exportação de proteinas para o periplasma,
por um mecanimo dependente de proteinas Sec. As proteinas transportadas para o
periplasma depois tem algumas alternativas para se transpor para o exterior,
sendo o principal destes denominado de GSP, mecanismo geral de secreção, ou
mecanismo tipo II.
Neste tipo de secreção as proteinas são transportadas inicialmente para o
periplasma, pelo mecanismo chamado de GEP, o mecanismo geral de exportação. As
proteinas que utilizam este mecanismo tem geralmente sinais de exportação. O GEP
também é chamado de caminho dependende de sec, pois utiliza proteinas
denominadas Sec.
Aproximadamente 1/5 das proteinas são exportadas.
O GEP
tambem é usado em gram-positivas, neste caso secretando proteinas para o
exterior da célula.
Para passar pelas duas membranas, nas Gran-negativas, vai
usar duas etapas, o GEP e algum outro para atravessar a membrana externa.
GEP:
A transferência através da membrana interna envolve o reconhecimento da
proteina recém-sintetizada, ainda não na conformação final, pela chaperona SecB
e uma posterior associação com a proteina SecA. A proteina SecA por sua vez
interage com as proteinas SecYEG formando o que chamamos de translocase. A
proteina vai passar para o espaço periplasmático através da translocase.
Sequências sinal, ou peptídeo sinal. Estão localizadas no terminal amino
das proteinas exportadas. Não tem uma sequência comum, mas algumas
características podem ser apontadas:
Tamanho de 18 a 30 aminoácidos (em média
20aa).
Tem 1 ou mais aminoácidos básicos perto do terminal amino, uma parte
central hidrofóbica de 7 ou mais aminoácidos, e com estrutura de alfa-hélice, e
uma parte final hidrofílica, contendo um sítio que é cortado durante a
transferência por uma peptidase.
A função do peptídeo sinal pode ser uma
alteração nas propriedades conformacionais da proteina, fazendo com que se dobre
mais lentamente, e ainda um auxiliar na inserção na membrana.
Peptídeo sinal
não é estritamente necessário para secreção, mas maioria das proteinas
exportadas o contem. Proteinas que vão ser exportadas tendem a tomar sua
conformação mais lentamente, seja pela sequência sinal, pela própria sequência
das proteinas, ou pela ligação a chaperonas tais como a SecB impedindo as
dobras.
SecB. Proteina se liga à preproteinas que vão ser exportadas. Atua como
chaperona, impedindo que tome conformação final antes de ser exportada. Também
impede que formem agregados. Pode se ligar durante tradução ou posteriormente.
Tetrâmero de subunidades de 16kDa. Se liga na parte madura das proteinas, e não
no peptídeo sinal. Geralmente se liga em mais de um ponto da preproteina. SecB
inicialmente liga regiões flexíveis da pre-proteina, e a própria SecB muda de
conformação, expondo uma região hidrofóbica. Neste ponto regiões hidrofóbicas da
pré-proteina se ligam aí. SecB leva a pré-proteina para a translocase, pois tem
afinidade por SecA. É liberada após início de translocação, sendo reusada em
outra proteina.
SecA: proteina grande periférica da membrana interna. Se associa com a
membrana por afinidade com lipídeos acídicos e com a proteina SecY. É
indispensável, e forma homodímero de 102kDa. SecA se liga a Sec B e à proteina .
É uma ATPase solúvel. Uma quantidade de SecA está no citoplasma, outra ligada à
membrana. Sua atividade ATPásica depende de ligação a lipídeos, SecY e uma
proteina precursora. SecA tem dois sítios de ligação a nucleotídeos, como muitas
ATPases (tem sequencia de Walker A: GXXXXGKTcom alta afinidade por ATP, que é o
primeiro sítio). Entre os dois sítios fica a região que se liga à pre-proteina.
Região de peptídeo sinal é ligada a SecA. Tem ainda interação consigo mesmo
(forma dímero), com SecY e SecB.
SecY é proteina de membrana, com 48kDa e 10 regiões hidrofóbicas imersas
na membrana. É sugerido que ela forme o poro, através do qual as proteinas
passam. É o receptor de SecA. Maior subunidade do SecYEG.
SecE, SecG ambas proteinas de membrana. SecE atravessa membrana 3 vêzes.
Fazem parte do poro por onde passa proteina. SecG estimula secrecao in
vitro.
Em condições de translocação forma-se um tetrâmero de SecYEG, formando
um poro. A proteina SecA traz dois dímeros de SecYEG para junto, formando
tetrâmero.
Os poros ou canais de passagem são poros condutores de ions.
As
proteinas em translocação estão em contato principalmente com SecA e SecY e não
como os fosfolipideos.
Modelo:
Após a ligação da proteina com SecB à SecA, SecB se solta e
vai ser reutilizada com outro substrato. A proteina SecA atua de uma forma
cíclica, transportando a pre-proteina aos poucos através do poro. Parece que ela
mesmo acompanha um pouco a proteina, voltando depois para fora do "poro". De
cada vez ela transporta um pequeno pedaço, quebra ATP e libera a proteina, se
liga novamente a ela, passa de novo, quebra ATP, etc. A hidrólise do ATP é para
liberar a proteina precursora. O potencial elétrico da membrana (proton motive
force) ajuda a transferência da proteina através dos poros.
O peptídeo lider
é a primeira parte a passar, mas a parte hidrofóbica fica retida na membrana e o
resto vai passando. Uma peptidase corta um ponto entre o peptídeo líder o o
resto da proteina logo que esta região chega ao periplasma.
Peptidases da região líder:
Exitem pelo menos duas, LspA e Lep, sendo
que esta última atua na grande maioria das proteinas.
Lep fica ancorada na
membrana interna, com a parte com atividade enzimática no periplasma. É uma
serina protease.
Existem também análogos do sistema SRP de eucariotos em bactérias, e são
usados na secreção. Ribonucleoproteina, com ptn de 48kDa e RNA 4,5S
participando. Reconhece peptídeo sinal e regiões hidrofóbicas de proteinas de
membrana nascentes. É processo co-traducional. Note-se que para bactérias ainda
não foi demonstrado que ocorra parada na tradução. O receptor é FtsY (é uma
GTPase). Liberam proteinas para sistema SecYEG. Portanto deve ser rota
alternativa à chegada da proteina na translocase utilizando SecB.
Tres mecanismos para passagem através da membrana externa, após
GEP.
Primeiro caso: Proteases, que se auto-transferem pela membrana extena:
Caso mais conhecido, IgA (imunoglobulina A) protease de Neiserria
gonorrhoea. Do espaco periplasmático se insere na membrana externa, expondo
a maior parte para fora da célula. Sofre então autoclivagem, deixando parte C
terminal na membrana, e se liberando no espaço extra-celular.
Segundo caso: hemolisina de Serratia marcescens (ShlA):
A
passagem pela membrana externa neste caso é auxiliada por uma única outra
proteina, ShlB.
ShlB é uma proteina de membrana externa, com um domínio
periplasmático. Além de transportar ShlA ela tambem a ativa, tornando-a
hemolítica.
Terceiro caso, que é a grande maioria: GSP, mecanismo geral de
secreção.
Passagem da membrana externa requer de 12 a 14 proteinas
especificas.
Este sistema, constituido pelo GEP e a passagem pela membrana
externa é chamado de GSP.
Este sistema já descrito em pelo menos 7 especies
bacterianas.
Os genes de secreção normalmente agrupados em um ou dois
operons.
Não se sabe como são escolhidas as proteinas periplasmáticas que vão
ser secretadas por este sistema.
E. coli não tem este sistema
funcional.
Função de algumas das proteinas de secreção. Sabe-se que algumas destas
proteinas são semelhantes a proteinas de formação de pili na superfície
celular.Na maioria das espécies, uma das proteinas se liga a ATP e o quebra.
Existem proteinas de membrana externa, geralmente uma ou mais envolvidas na
secreção.
No entanto a maioria das proteinas é de membrana interna!
Sinal nas exoproteinas:
Os sistemas de secreção são espécie-
específicos, não funcionando com proteinas de outra espécie. Deve haver portanto
sinais para recohecimento.
Fizeram estudo de sinais na sequência primária
propriamente e não encontraram nenhum sinal ou região comum. A proposta então é
de que o sinal envolva a estrutura terciária da proteina. Foi mostrado que as
proteinas normalmente são transportadas já com uma conformação terciária.
Nas
várias espécies, várias proteinas exportadas pelo mesmo sistema.
Secreção pelo mecanismo de tipo III:
Este é um mecanismo de secreção
independente de sec, e essencial para a patogenicidade de várias espécies
bacterianas. Em especial descoberto no gênero Yersinia, no qual está bem
estudado.
Em Yersinia exitem umas 24 proteinas envolvidas com a formação da
chamada "máquina" de transferência, que é uma verdadeira seringa de injeção. As
proteinas Ysc e Lcr são os constituintes deste canal de transferência, que
abrange as duas membranas e tem ainda uma parte extrna à bactéria.
As proteinas secretadas são chamadas de Yops, e tem sinal no término
amino, mas sinal não é cortado. Existem mais de 14 Yops de Yersinia.
Existe homologia entre proteinas constituintes da máquina de secreção e
proteinas de flagelos.
O mecanismo de tipo III permite não somente uma secreção de proteinas
para fora da célula, mas também uma transferência direta de proteinas para o
interior de células do hospedeiro!
Algumas destas vão atuar como fatores
intracelulares, p. ex, YopH de Yersinia e SptP de Salmonella são tirosina
fosfatases que defosforilam proteinas do hospedeiro.
Estas proteinas não são
capazes de entrar por difusão a partir do meio de cultura nas células
eucarióticas.
Existe uma regulação do sistema tanto pela temperatura quanto pelo
contato com células hospedeiras:
quando a temperatura aumenta para 37C,
ocorre a síntese de VirF, um ativador transcricional, que ajuda a expressar os
genes ysc e lcr, formando os constituintes do canal de secreção.
O contato com
as células do hospedeiro ativa a secreção em si mesmo. Assim, a translocação e a
citotoxidade só ocorrem quando a bactéria adere à célula hospedeira
Os genes do mecanismo tipo III, no caso de Yersinia, se encontram num
plasmídio de virulência. Eles incluem os genes virF, ysc, lcr, syc (de proteinas
chaperonas que atuam no citoplasma bacteriano) e yops.
As proteinas Syc
ligam-se a Yops mantendo-as em forma competente para a secreção.
Note-se que algumas das proteinas Yop são secretada para o meio e, entre
estas, algumas depois passam a fazer parte do canal de secreção.
Mecanismo de secreção do tipo IV
Este também é um tipo de secreção que transfere material diretamente do
interior da célula para fora, com a formação de estruturas de superfície.
As
proteinas envolvidas nesta secreção não tem no entanto homologia com as
proteinas do tipo III ou proteinas flagelares. Elas tem homologia com
componentes de conjugação.
Aqui são transferidas proteinas, ou nucleoproteinas, ou seja, DNA
associado a proteinas. Estas trasnferências podem ser entre organismos afastados
filogeneticamente. Por exemplo, pode ocorrer transferência de bactérias para
fungos, plantas ou animais.
Dois exemplos importantes vem sendo estudados: a passagem do DNA T de
Agrobacterium tumefasciens para o núcleo de células de plantas, e a passagem da
proteina CagA de Helicobacter pylori para enterócitos de mamíferos.
No caso
do DNA T de Agrobacterium, este passa para a célula da planta junto com a
proteina VirD2, que direciona o DNA para o núcleo da célula.
No caso de CagA
de Helicobacter, a proteina passa para dentro ca célula de mamífero e é
fosforilada por uma quinase. A forma fosforilada de CagA interage com diferentes
moléculas da célula, levando a profundas alterações, tais como a reorganização
da actina celular.